O perigo de querer ser útil
É inútil querer ser útil? Já me aconteceu querer demasiado ajudar alguém. Quando queremos ajudar e não conseguimos, o que fazer? É útil não fazer nada? E se pudéssemos servir e sentir-nos úteis sem nos desgastarmos?
Bem! Tantas perguntas! E mais podia escrever. E mais podem surgir do teu lado. Como mãe, pai, avó, irmã, tio, amiga, colega, ou responsável na empresa. Às vezes ficamos cansados de tentar ajudar, mas sem o conseguir. Outras vezes desgastamo-nos na intensidade, exigência ou frequência da nossa ajuda. E esquecemo-nos de nos ajudarmos no processo. Esquecemo-nos de nós mesmos.
Cada pessoa, cada momento e cada contexto pedem diferentes tipos e níveis de ajuda. É importante para mim que saibamos, e nos recordemos, da diferença entre ser útil e nos sentirmos úteis. Também entre realmente ser útil e querer ser útil.
Seja por (inconscientemente ou não) se querer agradar; por se estar a operar com o Síndrome de Salvador@; para se alimentar o ego; por se ter expetativa de vir a ser ajudad@ mais tarde; por se esperar reconhecimento ou agradecimento; ou por outro motivo.
Na minha experiência, e de pessoas que ajudo e reportam isto mesmo, quando alguém quer demasiado ajudar acaba por desajudar. Quando está com uma necessidade demasiado grande de se sentir útil acaba por criar entropia ou o resultado oposto ao que desejava. Pode também acabar por complicar o que poderia mais simples. Ou ter um impacto tóxico no contexto e na pessoa que queria ajudar.
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Podemos pensar nos casos do pai que quer proteger demasiado a filha; da amiga que diz o que a outra devia fazer aos filhos; na mãe que faz tudo pelo filho. Já soube inclusive de mães que acompanharam filhos (praticando os substituindo nas ações) durante a inscrição na faculdade e até em entrevista de trabalho.
Também sei de coaches, terapeutas, líderes e outras profissões de serviço ao outro, em que a ajuda é imposta. Ou é desrespeitadora e limitadora. Quando alimenta o estado mental e emocional de quem pensa, ou pensamos nós, que “precisa de ajuda”. Quem assim está, e se assim continua recorrendo a “salvadores”, num certo nível abdica da sua responsabilidade e poder pessoais. Quem alimenta esta dinâmica, no meu ver, presta um “de-serviço” a quem recebe a “ajuda”.
É a pessoa que se ajuda
Algo que aprendi e que ficou claro como água é que, como coach, não ajudo ninguém. É a pessoa que se ajuda a ela própria. Sim, facilito o espaço e condições para que a transformação possa acontecer. Sim, partilho ferramentas e práticas que podem desbloquear ou suportar a mudança desejada. Sim, apoio a pessoa para ativar e se ligar aos seus recursos internos e desenvolver competências necessárias. Sim, contribuo para a pessoa descobrir e criar outras escolhas que a sirvam de formas mais adequadas, saudáveis, ecológicas e alinhadas.
Isto comparando com as anteriores, no contexto e para a real intenção que a pessoa tiver. Mas apenas estou a facilitar o processo para que a pessoa se ajude. Através de alguns caminhos mais conscientes e de outros processos e mudanças mais inconscientes.
Que ela não conseguiria, ou não tem conseguido, sozinha. Seja por ainda não ter aprendido a fazê-lo, por estar sem recursos disponíveis para tal, por querer ter alguém competente a acompanhá-la, ou estar cansada de o fazer sozinha.
O lugar para se poder servir
Quando joguei futebol de onze desempenhei várias posições na equipa. Desde aí que aprendi e ficou presente em mim “encontrar o lugar onde posso servir”. Descobrir em qual papel, e de que formas, posso sentir-me útil. E isto é diferente de querer ser útil e de realmente ser útil. Lembro-me de jogar nas quatro posições da defesa, em duas do meio-campo e até como avançado joguei uns minutos no final de um jogo.
Em todas, percebo agora, estava presente em mim: “Ok, agora estou nesta posição. O que posso fazer? Como posso ajudar a equipa?”. Também percebi que nalguns momentos servir é intervir ativamente. Noutras alturas é apenas estar disponível. Noutras situações é observar à distância e estar preparado para ser chamado. Sentir-me útil depende do significado que dou, da perspetiva que adoto, da ligação causa-efeito que escolho, e do impacto que observo.
Ser útil. Estar ao serviço. É um lindo mote e pode parecer cliché. Pode parecer teórico, mas pode ser bem prático e mais simples do que se possa imaginar. Estou a acompanhar uma série televisiva, maravilhosamente humana, que recomendo muito: New Amsterdam. O personagem que faz de diretor do hospital é um exemplo do que para mim significa estar ao serviço. Mesmo que tenha os seus desafios pessoais – mas vou evitar spoilers. 😉
Seguindo a máxima do Dr. Goodwin nessa série: “Diz-me: como posso ajudar?”. Sem impor. Sem assumir que se sabe qual a melhor forma de ajudar. Dando espaço, e tempo, à outra pessoa. Permitindo que ela me diga, a partir do lugar onde está, qual a ajuda que está a sentir que a serve melhor.
Certo, nem todas as pessoas o vão verbalizar todas as vezes. E aí é bom lembrar que, por vezes, a “melhor” ajuda e serviço que podemos prestar é estar em silêncio, estar presente, estar disponível, ir ao lugar em que ela está sem querer salvá-la ou tirá-la de lá.
Parafraseando a psicóloga Susan David: em vez de ligar o interruptor da luz, é perceber que o “melhor” é sentar no escuro com a pessoa. Então, diz-me. Como posso ajudar?
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