O Estudo da Longevidade em Doentes com VIH: desafios para envelhecer com qualidade de vida
O primeiro estudo português que nos fala sobre a longevidade dos doentes com VIH afirma que estes doentes vivem cada vez mais tempo e com mais qualidade de vida. É com base nesta análise recente que Ana Rita Domingues da Silva, médica especialista em Infeciologia no Hospital Beatriz Ângelo, nos explica como se vive atualmente com esta doença em Portugal.
Assiste-se atualmente a um “envelhecimento” da epidemia do VIH, que se deve ao sucesso da terapêutica antirretroviral, permitindo um aumento da esperança média de vida da população infetada [1][2], mas também ao aumento dos novos diagnósticos de VIH em indivíduos com idade ≥ 50 anos, que representaram 25,5% dos novos casos em Portugal, em 2015 [3] [4].
Nesta população, há uma maior incidência de comorbilidades não infeciosas (como a diabetes, doenças cardiovasculares, osteoporose ou doenças neurocognitivas) [5] [6], de polimedicação e maior risco de interações medicamentosas, representando um dos principais desafios na gestão da infeção VIH atualmente.
De modo a permitir uma melhor caracterização desta realidade a nível nacional, foi recentemente realizado um estudo que contou com a participação de indivíduos infetados pelo VIH seguidos em 7 centros portugueses (Characterization of the Aging Population Living with HIV in Portugal: A Multicenter, Observational Study to Evaluate Comorbidities in Patients above 50 Years of Age – AGING POSITIVE), concluindo-se que a hipercolesterolemia, hipertensão e depressão / ansiedade são as comorbilidades mais frequentes.
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Assim, à medida que se consegue um aumento da “quantidade” de vida, devemos também pensar na qualidade da mesma. A qualidade de vida é um conceito multidimensional que inclui questões de saúde, económicas e de satisfação pessoal, entre outras.
Na população em geral considera-se essencial para um envelhecimento “saudável” ou “bem-sucedido” a capacidade de aceitar as próprias limitações, permanecer positivo, assumir responsabilidade na gestão dos vários aspetos do dia-a-dia (incluindo gestão da medicação, da lida da casa ou das próprias finanças) e permanecer integrado na comunidade.
Contudo, uma das principais diferenças entre o VIH e outras doenças crónicas não é médica, mas relacionada a fatores socioculturais. Os desafios nesta população incluem lidar com o estigma, a vergonha, a discriminação e a rejeição social, que muitas vezes impactam negativamente na qualidade de vida destes indivíduos.
Ao entrar nesta nova era da infeção VIH, é necessário reformular o modo como pensamos no envelhecimento e na infeção VIH, sendo necessária uma mudança na abordagem à doença, de modo a que se antecipem e atenda às necessidades das pessoas que vivem com VIH à medida que envelhecem.
A prevenção e diagnóstico precoce da infeção VIH e das comorbilidades não infeciosas, o acesso alargado à terapêutica, bem como a redução da polifarmácia, a promoção de ações de formação de modo a reduzir o estigma associado à doença e a melhor articulação com as estruturas da apoio na comunidade, são tarefas que cabem aos prestadores de cuidados de saúde, políticos, familiares, comunidade em geral e aos próprios indivíduos que vivem com o VIH [7].
Por Ana Rita Domingues da Silva,
Médica especialista em Infeciologia no Hospital Beatriz Ângelo
BIBLIOGRAFIA
- Nakagawa F, May M, Phillips A. Life expectancy living with HIV: recent estimates and future implications. Curr Opin Infect Dis. 2013;26: 17–25.
- Antiretroviral Therapy Cohort Collaboration. Survival of HIV-positive patients starting antiretroviral therapy between 1996 and 2013: a collaborative analysis of cohort studies. Lancet HIV. 2017;4: e349–e356.
- de Doenças Infeciosas U de R e. VED. Infeção VIH/SIDA: a situação em Portugal a 31 de dezembro de 2015. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP; 2016. pp. 1–69.
- [No title] [Internet]. [cited 29 Nov 2017]. Available: http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/20131101_JC2563_hiv-and-aging_en_0.pdf
- Günthard HF, Aberg JA, Eron JJ, Hoy JF, Telenti A, Benson CA, et al. Antiretroviral treatment of adult HIV infection: 2014 recommendations of the International Antiviral Society-USA Panel. JAMA. 2014;312: 410–425.
- Smit M, Brinkman K, Geerlings S, Smit C, Thyagarajan K, Sighem A van, et al. Future challenges for clinical care of an ageing population infected with HIV: a modelling study. Lancet Infect Dis. 2015;15: 810–818.
- Guaraldi G, Falutz J, Mussi C, Silva A. Managing the Older Adult Patient with HIV. Springer; 2016.