Imunoterapia combinada com quimioterapia: uma mudança no paradigma no tratamento do cancro do pulmão
Ao longo dos últimos anos observou-se uma verdadeira revolução no cancro do pulmão, quer a nível do progresso tecnológico nos exames de diagnóstico e no conceito da própria doença, quer no aparecimento de biomarcadores e tratamentos inovadores.

O cancro do pulmão é uma das doenças mais diagnosticadas a nível global, sendo a principal causa de morte por doença oncológica em Portugal e no Mundo. O tabaco é o seu principal fator de risco (85% a 90% dos casos) e, por isso, é essencial reforçar a cessação tabágica como a principal medida para redução da sua incidência e elevada mortalidade.
O desenvolvimento silencioso do cancro do pulmão pode explicar o diagnóstico inicial em fases avançadas da doença na maioria dos casos, sendo que, em cerca de 57% destes diagnósticos, são identificadas lesões metastáticas à apresentação, condicionando o tratamento e, consequentemente, o seu prognóstico.
Ao longo dos últimos anos observou-se uma verdadeira revolução no cancro do pulmão, quer a nível do progresso tecnológico nos exames de diagnóstico e no conceito da própria doença, quer no aparecimento de biomarcadores e tratamentos inovadores.
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É boa prática clínica a discussão do doente, em sede multidisciplinar, usando todos os novos recursos com o principal objetivo de proporcionar qualidade de vida aliada ao maior controlo possível da doença. Um desses recursos é a possibilidade de tratamento com imunoterapia, cujo desenvolvimento permitiu, em 2018, a atribuição do Prémio Nobel da Medicina, tendo os primeiros fármacos sido autorizados para cancro do pulmão em 2015.
Em 2018 é publicado o ensaio Clínico KEYNOTE-189 que mostra benefício importante, em determinados tumores do pulmão, na associação da quimioterapia (platino com pemetrexedo) com a imunoterapia (pembrolizumab) versus a terapêutica standard até então utilizada.
Em maio de 2020 o Infarmed aprovou o financiamento da associação acima referida, no tratamento de primeira linha do cancro do pulmão de não pequenas células (CPNPC), metastático, em doentes com EGFR/ALK negativos e com expressão de PD-L1 com TPS inferior a 50% (características identificadas na biopsia do tumor).
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Esta medida veio ao encontro das recomendações internacionais das várias sociedades científicas, no que diz respeito ao tratamento do Cancro do Pulmão, e reflete uma mudança de paradigma no tratamento desta neoplasia.
Na análise global dos doentes, o ensaio clínico documentou uma sobrevida global (overall survival) aos 12 meses estatisticamente superior no grupo de pessoas que estava a ser tratado com a combinação de quimioterapia com imunoterapia (69.2% vs 49.4%), correspondendo a uma redução de risco de morte de 49%. A sobrevivência livre de progressão (PFS – progression free survival) teve também significado estatístico neste grupo de doentes (8.8 meses vs 4.9 meses), correspondendo a uma redução do risco para progressão da doença de 52%. Quer isto dizer que esta combinação de imunoterapia com quimioterapia aumenta significativamente a sobrevivência livre de progressão de doença e a sobrevivência global em comparação com a quimioterapia isolada, pois os doentes vivem em média cerca do dobro quando tratados com a terapêutica combinada. Relativamente à qualidade de vida, estudada através de vários questionários específicos, destacou-se o parâmetro tempo até agravamento clínico, composto pelos sintomas de tosse, dor torácica ou dispneia, com uma redução do seu risco em 81% neste grupo de doentes submetidos à associação. A percentagem dos efeitos adversos (EA) de qualquer causa, e independentemente de estarem relacionados com o tratamento, foram sobreponíveis nos dois grupos de doentes, reforçando a segurança desta terapêutica.
Quando analisamos em particular o conjunto de doentes com expressão PD-L1 (presença de proteínas ligadas às células tumorais que bloqueiam a ação do sistema imunitário), inferior a 50%, os dados são ainda mais animadores. Isto, porque, nestes casos, se verifica uma redução de risco de morte de 57% e redução do risco para progressão da doença de 64%, com efeitos adversos sobreponíveis.
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Já os doentes com tumores CPNPC com expressão PD-L1 superior ou igual a 50% têm como recomendação, se o estudo molecular for negativo, o tratamento em primeira linha com pembrolizumab em monoterapia, já aprovado e financiado pelo SNS. Atendendo ao exposto, o Infarmed pediu uma avaliação, por comparação indireta, da associação quimioterapia com imunoterapia versus pembrolizumab em monoterapia. A apreciação farmacoterapêutica e farmacoeconómica considerou que existia valor terapêutico acrescentado major na associação quimioterapia com imunoterapia apenas nos doentes com expressão inferior a 50%.
Assim, com esta aprovação do Infarmed, os doentes com cancro de pulmão têm ao dispor um novo tratamento que corresponde a uma enorme MUDANÇA DE PARADIGMA, com a associação de dois grupos de fármacos – QUIMIOTERAPIA e IMUNOTERAPIA.
Por Patrícia Garrido
Pneumologista
Unidade Pulmão – Centro Clínico da Fundação Champalimaud