Conflitos quotidianos dos pais podem causar danos duradouros às crianças
O conflito parental quotidiano – e não só os maus tratos físicos e emocionais - pode afetar o processamento emocional de crianças, com efeitos negativos potencialmente duradouros. Especialmente às mais tímidas. Informação a reter por altura em que se celebra o Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão, a 4 de junho.
É sabido que viver em ambientes de maus tratos físicos e emocionais causa danos permanentes às crianças, sobretudo à sua capacidade de confiar nos outros e de ler com precisão as emoções interpessoais. Mas e o que se passa com as crianças que testemunham os conflitos simples e quotidianos de um casal?
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Vermont e publicada no Jornal de Relações Pessoais e Sociais, EUA, mostra que o processamento emocional dessas crianças também pode ser afetado – tornando-as potencialmente muito mais vigilantes, ansiosas e vulneráveis a distorcer as interações humanas neutras em termos de tom. E as crianças tímidas são as mais afetadas.
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«A mensagem é clara: mesmo a adversidade de baixo nível, como o conflito entre os pais não é boa para as crianças», sublinha Alice Schermerhorn, professora assistente do Departamento de Ciências Psicológicas da Universidade de Vermont e principal autora do estudo.
No estudo, 99 crianças com idades entre os nove e os onze anos foram divididas em dois grupos com base numa série de avaliações psicológicas que avaliaram quanto conflito parental eles já experienciaram e quanto sentiram que o conflito ameaçava o casamento dos seus pais.
Depois, às crianças foram mostradas 90 fotos de atores retratando casais em poses de raiva, felizes e neutros (veja imagens na galeria acima) e foi-lhes pedido para identificarem qual humor a foto representava. As crianças que viviam em lares de baixo conflito consistentemente pontuaram as fotos com precisão. As que viviam em lares de elevado conflito não foram capazes de identificar com precisão as interações neutras. Ou seja, foram capazes de identificar com precisão os casais felizes e irritados, mas não aqueles em poses neutras – lendo-os incorretamente como zangados ou felizes ou dizendo que não sabiam em qual categoria eles se encaixam.
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Schermerhorn diz que a imprecisão pode ser atribuída à hipervigilância. «Se a perceção de conflito e ameaça levar as crianças a ficarem atentas a sinais de problemas, isso pode levá-las a interpretar expressões neutras como irritadas ou simplesmente apresentar maiores desafios de processamento», diz a investigadora. Como alternativa, pode ser que as interações parentais neutras sejam menos significativas para as crianças que se sentem ameaçadas pelo conflito dos pais.
«Eles podem estar mais sintonizados com as interações de raiva, o que poderia ser uma sugestão para se retirarem para o quarto. Para os felizes, poderia sinalizar que os seus pais estão disponíveis para eles. As interações neutras não oferecem muita informação, por isso, podem não as valorizar e aprender a reconhecê-las», explica.
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O estudo também é um dos primeiros a medir o impacto da timidez na capacidade de as crianças processarem e reconhecerem emoções. As crianças tímidas no estudo, que foram identificadas através de um questionário dado às mães, foram incapazes de identificar corretamente os casais em poses neutras, mesmo que não fossem de lares de elevado conflito.
A timidez também os tornou mais vulneráveis ao conflito parental. Crianças que eram tímidas e se sentiam ameaçadas pelo conflito dos seus pais tinham um alto nível de imprecisão na identificação de interações neutras. «Os pais de crianças tímidas precisam de ser especialmente atenciosos na hora dos conflitos», alerta Schermerhorn.
Os resultados da pesquisa são significativos, disse Schermerhorn, por causa deste véu que levanta sobre o impacto que adversidades de nível relativamente baixo, como o conflito entre pais, podem ter sobre o desenvolvimento das crianças.