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Comprar em segunda mão: um caminho para um mundo mais sustentável

O consumo em segunda mão aumentou exponencialmente desde 2012, com os consumidores cada vez mais abertos a esta forma de consumo. Segundo a Global Data, 64% das mulheres já compraram produtos usados, desde artigos de beleza a vestuário. Para percebermos como funciona este mercado em Portugal, falámos com os responsáveis das lojas Wild at Heart e Zebra Shop e com Carolina Santiago, compradora assídua de produtos em segunda mão.

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Segundo um estudo recente da GlobalData, até 2023, o mercado de roupa em segunda mão irá duplicar e atingir valores na ordem dos 45,8 mil milhões de euros, não só porque este mercado consegue alcançar a preferência dos consumidores através da sua variedade, mas sobretudo pela forma de sustentabilidade que representa e que está a contagiar cada vez mais pessoas.

 

«A moda como a conhecemos deixou de fazer sentido para o nosso planeta. A indústria têxtil é uma das mais poluentes. Toneladas de roupa ficam esquecidas, não porque deixaram de ser bonitas, ou por não terem qualidade, mas pelo piloto automático que nos tornámos enquanto consumidores. É possível viver num mundo capitalista, mas com responsabilidade social e ambiental», explicam as fundadoras da Zebra Shop, Filipa Marujo, Cristina Marujo e Joana Manaças. Foi desta forma que esta loja em segunda mão surgiu. «Este é um projeto onde procuramos resgatar roupas do esquecimento e torná-las intemporais».

 

Já a loja Wild at Heart, fundada por Rita Tavares, surgiu há oito anos, fruto do seu interesse por velharias e antiguidades. «A minha mãe vendia em alguns mercados. Fossem roupas ou artigos decorativos, tive sempre alguma facilidade em lhes ter acesso, embora com alguma pena minha nem todos eles se adequassem ao meu estilo. Foi então que pensei em revender algumas dessas preciosidades que de uma forma ou de outra chegavam até mim».

 

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As peças desta loja eram inicialmente adquiridas em mercados ou através de pessoas que entregavam peças antigas ou de família. «Atualmente trabalho muito com stocks mortos de lojas, armazéns ou fábricas, mas também com fornecedores estrangeiros e nacionais. Claro que o gosto pelas feiras de velharias continua e, sempre que possível, procuro também aí por tesourinhos, embora sejam cada vez mais difíceis de encontrar e em muito menor quantidade».

 

Para as responsáveis da Zebra Shop, «as roupas estão diretamente ligadas às nossas emoções, quer seja pelas vivências que carregam ou pelo apego pessoal. Desmistificar a compra de roupa em segunda mão é tão simples quanto torná-la interessante e devolver-lhe a oportunidade de criarem novas histórias. O que já não me faz feliz poderá eventualmente trazer felicidade a outros. O que já não me serve poderá eventualmente servir a outros. E nesta lógica devolvemos valor a cada peça, oferecendo assim a possibilidade de reduzirmos o nosso impacto ambiental».

 

A funcionar maioritariamente online, através da página de Instagram, a Zebra Shop marca também presença em alguns mercados de Lisboa, como a Feira das Almas e a Feira do Intendente. «Já a aquisição das nossas peças passa por uma curadoria cuidada, onde damos preferência a fornecedores, comprando apenas pontualmente a fornecedores estrangeiros».

 

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Carolina Santiago é consumidora habitual de roupa em segunda mão e diz que começou muito nova a ter interesse por estas peças, «Quando era pequena, com uns seis ou sete anos, ía para o sótão da minha casa procurar por roupas antigas na tentativa de as aproveitar de novo. Mesmo que não fossem o meu estilo ou não me servissem tentava sempre fazer qualquer coisa com elas. Lembro-me que passava lá tardes inteiras na busca do achado ideal. Depois, mais tarde, quando tinha uns 15 quando, fiz a minha primeira compra numa loja em segunda mão, no Algarve, cujos fundos revertiam para uma associação animal. O movimento e a intenção tocaram-me, e a partir daí comecei a pesquisar mais e a ver pequenas lojas onde comprar em segunda mão, bem como a comprar a amigas».

 

Rita Tavares,da Wild at Heart, confessa que ainda existe muito preconceito envolto no ato de usar artigos em segunda mão. «Para mim nunca foi um problema porque cresci a usar roupas das minhas primas e irmã mais velha. Tive o exemplo da reutilização desde cedo e sempre achei que seria uma solução para fazer face ao desperdício. Convém lembrar as pessoas de que as roupas mais antigas conseguem ter uma qualidade de materiais e execução quase sempre superior àquilo que encontramos hoje em dia em lojas da chamada fast fashion».

 

«Quantas vezes acabamos por acumular roupa que nem sequer usamos? E tantas vezes com etiquetas de marcas sem qualquer tipo de responsabilidade? A indústria da moda é avassaladora para a nossa pegada ecológica. Comprar em segunda mão ajuda a reduzir os nossos hábitos de consumo desenfreado e o automatismo», explicam as responsáveis da Zebra Shop.

 

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Rita Tavares alerta ainda para o ritmo alucinante a que as marcas produzem: «Utilizam materiais de baixa qualidade e muitas vezes recorrendo à exploração de mão de obra barata em países em desenvolvimento. Para além deste lado humano, não esqueçamos também a vertente ambiental em que a indústria têxtil é das mais poluentes (seja durante a produção ou à posteriori, onde acabam por ser descartadas toneladas de roupa em aterros ou destinos similares)».

 

São vários os motivos que levam a que cada vez mais os consumidores optem por comprar em segunda mão. Para Carolina Santiago, começou por ser o objetivo de ter no roupeiro peças únicas. «Além disso, é super interessante e divertido procurar peças diferentes, considero até um hobbie.  Depois, quando comecei a perceber melhor a indústria da moda, a interessar-me mais em diminuir a minha pegada ecológica e a querer contribuir para a saúde do planeta, percebi que esta seria uma forma eficaz para o fazer. Outra razão é a questão ética, relativamente à condição dos trabalhadores de fábricas de roupa fast fashion – muitos deles ganham menos de 3 cêntimos por cada peça que produzem, trabalham em condições precárias e sem segurança, não têm tempo sequer para se alimentarem».

 

Em termos de impacto no planeta, «são necessários mais de 3000 litros de água para produzir um par de calças de ganga, 58% das fibras têxteis produzidas mundialmente são derivadas do petróleo, o trabalhador, num país de terceiro mundo, que confeciona uma peça de roupa, recebe entre 1% e 2% do preço de venda da peça. Ao comprar roupa em segunda mão, não só reciclamos como contribuímos para a preservação dos recursos essenciais», explicam os responsáveis da Zebra Shop.

 

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Viver uma vida mais consciente, sustentável e feliz são alguns dos principais benefícios de comprar em segunda mão. «Mudei muito os meus hábitos desde que comecei a comprar mais em segunda mão, a minha carteira agradece e até fico muito mais seletiva a comprar. No mundo, o impacto ecológico é bastante significativo, bem como social e ético», confessa Carolina Santiago. Além destes fatores, comprar em segunda mão permite também enaltecer a individualidade de cada ser humano, todas as peças são únicas e diferentes e dificilmente existirão peças iguais.

 

Para quem quer começar a consumir menos fast fashion é importante perceber que peças são essenciais ter no roupeiro, comprar menos dessas peças, mas com mais durabilidade e que não sejam produzidas por marcas não éticas. Outro passo importante é refletir sobre a necessidade da peça, se realmente precisa dela ou se acaba por comprar por impulsividade, para conforto emocional ou apenas porque existe uma promoção.

 

«Será que compensa mesmo comprar uma camisola a 2€ que vamos usar poucas vezes na vida e depois vai-se estragar muito facilmente? Um bom truque é equivaler o preço da peça à quantidade de vezes que a vamos usar na vida. Uma camisola custa 15€, será que a vou usar 15 vezes na vida e vale a pena comprar? Uma camisola custa 2€, será que só a vou usar 2 vezes? Não deveria ser mais cara? Se só estou a pagar 2€ por ela, quanto será que quem a fabricou está a ganhar? São algumas das questões que podemos fazer e que nos vão ajudar a comprar menos», conclui Carolina Santiago.

 

O grande truque é comprar apenas quando quer muito e precisa. Depois, o consumo em segunda mão acaba por se tornar num gosto e o contributo para um mundo mais sustentável torna-se numa tarefa simples de colocar em prática.

 

 

 

 

 

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