Amrita: os Sete Tecidos e a imortalidade
A Ayurveda como medicina preventiva está particularmente desenhada para nos ajudar na manifestação de uma substância que é gerada pela sublimação física, emocional mental, espiritual e energética do líquido cefalorraquidiano, denominada de amrita.

Amrita pode ser considerada a versão feminina dos nomes Amrit e Amar. Em sânscrito, ‘a’ significa ‘não’ e ‘mrita’ significa morto, dando a este nome o poderoso significado de imortal. Amrita refere-se também a uma poção, um néctar que confere imortalidade àqueles que o bebem, semelhante à ambrósia grega ou o elixir da longa vida dos alquimistas da Idade Média. A palavra amrita pode ainda ser usada como um adjetivo, a qualidade atribuída a algo que promove a longevidade, ou mesmo a imortalidade.
Na Ayurveda o ramo que trata da manutenção e prolongamento da vida é o Rasayana, no qual se procura através do uso de várias plantas e cristais, da disciplina de meditação e respiração consciente, e da alimentação adequada à constituição de cada pessoa abrir o caminho (yana) ao néctar da vida (rasa).
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Sapta Dhatus – os Sete Tecidos corporais
Um dos propósitos basilares da Ayurveda traz consigo a intenção de transformar o Prana (energia vital) contido nos alimentos digeridos na matéria-prima para a promoção da longevidade, a amrita. O primeiro produto de uma digestão bem sucedida do Prana é denominado de Rasa, formando o primeiro tecido do corpo, o Rasa Dhatu. Os Dhatus são o produto da assimilação dos alimentos, e da boa absorção do Prana, mas são também responsáveis por toda a estrutura do corpo mantendo as funções dos diferentes órgãos e dos sistemas vitais do organismo. Fazem parte do mecanismo biológico de proteção e o seu desempenho é muito importante no desenvolvimento e nutrição corporal. A qualidade da alimentação tem um impacto profundo sobre a qualidade do plasma sanguíneo (rasa), e consequentes tecidos de construção.
A estrutura física do corpo material é constituída por sete tecidos denominados de Dhatus. A palavra sânscrita Dhatu em sânscrito significa “elemento construtor” ou “aquilo que forma o corpo”. Os Sete Dhatus sucedem-se numa ordem natural e biológica:
- Rasa (plasma): contém os nutrientes dos alimentos digeridos e nutre todos os tecidos, órgãos e sistemas.
- Rakta (sangue): governa a oxigenação de todos os tecidos e órgãos vitais e mantém a vida.
- Mamsa (músculos): cobre os órgãos vitais, produz os movimentos das articulações e mantém a força física do corpo.
- Meda (gordura): mantém a lubrificação e a oleosidade de todos os tecidos.
- Asthi (osso): dá suporte e estrutura ao corpo.
- Majja (medula e nervos): preenche os espaços dos ossos e conduz os impulsos motores e sensoriais.
- Shukra e Artav (sémen e ovário/ tecidos reprodutores): contém os ingredientes de todos os tecidos e são responsáveis pela reprodução.
Cada Dhatu contém na sua essência um fogo transformador (alquímico), Agni, que estimula o sistema imunitário e proporciona as condições e a estrutura para a criação do Dhatu seguinte. Uma característica particular da “histologia ayurvédica” é que cada dhatu recebe nutrição do dhatu anterior e este provém nutrição ao próximo. Portanto a qualidade e quantidade de cada dhatu afeta a qualidade e quantidade de todos os tecidos subsequentes. Desta forma, se o alimento é digerido inapropriadamente haverá um inadequado suprimento de ahara rasa (nutrição vital), o qual, por sua vez, significará a falta de nutrientes suficientes para formar dhatus saudáveis.
O corpo deve manter estes tecidos e substâncias vitais constantemente presentes, e a sua perda pode originar desequilíbrios graves na vitalidade. A ingestão de alimentos saudáveis é essencial para a qualidade dos nutrientes responsáveis pela sustentação dos Dhatus. Os tecidos do corpo são os locais onde as doenças se manifestam, sendo a energia de Kapha responsável por todos eles, principalmente pelo plasma, músculos, gordura, ossos, tecidos do óvulo e do sémen. A perturbação em qualquer um desses Dhatus enfraquece os tecidos que se desenvolvem subsequentemente. O único momento em que a perda de um tecido é aceitável é durante a reprodução.
Shukra (e Artav) dhatu – Tecido reprodutor
O papel do tecido reprodutor é criar nova vida. Shukra literalmente significa “sémen”, porém também se refere em geral ao óvulo e aos fluidos geradores, e a toda a forma de reprodução no corpo. Como último tecido do corpo, e tendo a sua matéria-prima sido aprimorada e sublimada pelo processo alquímico de transmutação de um tecido no outro, o shukra dhatu é o recetáculo de todos os outros, sendo por isso aquele que armazena a semente de cada ser Humano, o nosso elixir da longa vida, transformando o calor em luz – através da intervenção do Agni – e produzindo o brilho da aura – o resultado que transparece da nossa boa alimentação e estilo de vida, garantindo também a nossa vitalidade e proteção imunológica, e gerando Ojas. O último tecido shukra é o que tem maior potencial.
A actividade sexual exagerada diminui o shukra. O tecido reprodutor só é formado depois que todos os outros tecidos se desenvolverem e amadurecerem suficientemente. A Ayurveda ensina que a excitação sexual extrema da adolescência leva ao desenvolvimento prematuro do shukra, e quando crianças ou jovens são prematuramente expostos à atividade sexual, manifesta-se um dano permanente aos ossos, nervos e outros tecidos.
Assim, Rasa transforma-se em Rakta, que por sua vez se transforma em Mamsa, Meda, etc. O potencial do tecido subsequente, é sempre superior ao que o precedeu. Shukra, por ser o último, contém a essência da nossa vitalidade, que com o tempo, a vivência e a idade vai-se esgotando.
Uma das formas de nutrirmos e preservarmos a nossa vitalidade e longevidade, e conduzirmos o corpo na intenção de aprimorarmos a qualidade da nossa essência vital, de modo a que ela se transforme num elixir da longa vida (amrita), está na manutenção de uma rotina diária equilibrada, provida de bons hábitos e ritmos de alimentação adequados à nossa constituição, exercício físico moderado, uma gestão saudável da vida sexual e um respeito profundo pelos rituais e padrões de sono do corpo.
Outra das formas consiste na gestão qualitativa do stress e das rotinas de trabalho, na criação de uma postura mental saudável e positiva perante a vida, e na introdução de práticas meditativas regulares, reafirmando a escolha de fomentar a inteligência espiritual e criativa, nutrir uma conduta social equilibrada e Valores morais e éticos (Dharma), e tornar a espiritualidade a base para uma vida efetivamente longa e feliz.
Amrita – Imortalidade
A imortalidade é retratada desde os primórdios da humanidade como algo cobiçado e inalcançável. Contudo, desde sempre que sábios e eruditos procuram por fórmulas e processos que abram caminho para alcançar a imortalidade. As mais recentes investigações sobre a Consciência e a longevidade remetem a sua possibilidade para o universo da epigenética e da consciência quântica, assumindo que existe dentro de cada ser humano a possibilidade de uma imortalidade, ou de uma tremenda longevidade.
À medida que o tempo passa e a idade aumenta, as nossas necessidades vão-se alterando e a Ayurveda observa o domínio natural do Vata. Na Ayurveda o conceito de Vayasthapana trata de preservar a juventude de um corpo independentemente da sua idade e restringir a progressão para a senescência, juntamente com o aumento da longevidade, intelecto, forças físicas e mentais e prevenção de doenças. A Ayurveda compreende, desde a sua origem, que existem técnicas que auxiliam na manutenção de tecidos saudáveis do corpo, agrupadas como Rasayana Tantra, e essas práticas foram alvo de investigação e estudo profundo durante a edificação do conhecimento ayurvédico.
É importante ressalvar que a qualidade e probabilidade da nossa longevidade é determinada pelo quão cedo começamos a exercer as práticas e rotinas que proporcionam essa mesma longevidade.
Os sábios antigos que vivenciaram e cumpriam as sugestões de estilo de vida proporcionadas pela Ayurveda observavam também que as práticas espirituais eram fundamentais para se proporcionarem vidas longas e saudáveis.
À medida que a Consciência do ser humano evolui e expande-se, a qualidade subtil do shukra e da vitalidade também aumentam. Quando este processo de purificação do shukra vai sendo continuamente replicado, sem perdas, a qualidade subtil do ojas aumenta produzindo de facto a sensação e a possibilidade de uma vida quase imortal. A Ayurveda é na sua essência uma amrita, um conhecimento que posto em prática de forma disciplinada e amorosa pode proporcionar aquilo que humildemente entendemos por imortalidade.