Amor com fartura: a vida de uma feirante de farturas
Encontramo-la a fazer a Feira de Corroios. A sua roulotte destaca-se das restantes, pelo tamanho, cores e aprumo. Esta é a história de Júlia Paiva, feirante de farturas.

Nasceu durante a Feira de Santarém, há 39 anos, mas foi registada na cidade da feira que se seguiu, em Coimbra. Feirante desde que nasceu, casou com um homem também ele da vida ambulante, vem de uma família de circo. Vendem farturas há 20 anos. Esta é a história de Júlia Paiva, feirante de farturas.
«O segredo da melhor fartura? É o amor com que se faz». Júlia Paiva justifica assim o título deste artigo. Amor à arte, mas sobretudo amor à família, aos filhos. As fotografias de dois deles adornam esta caravana. As fotos dos outros dois estão numa segunda roulotte, que está a ser explorada noutra feira.
Encontramo-la a fazer a Feira de Corroios. A sua roulotte destaca-se das restantes, pelo tamanho, cores e aprumo. É Júlia quem pensa na imagem. É a marketeer da família. Todos usam farda rosa choque. «Os feirantes não me querem ao pé deles. Dizem que lhes estrago o negócio», diz sorridente. A roulotte “Império” impera junto das demais, mas nem sempre foi assim. Júlia e o marido, Pedro Lorador, começaram com uma pequena barraca de farturas e pipocas já lá vão 20 anos. Depois, andaram vários anos com uma pequena caravana. A “Império” foi construída aos poucos e funciona há sete anos. Os filhos mais velhos também já lá trabalham e não querem outra vida. Ao todo são quatro filhos (Marcelino, 19, Lizandra, 16, Jessica, sete, e Pedro, dois anos), também eles nascidos «cada um em cada porto».
De maio a outubro, fazem as feiras de norte a sul do país. Aliás, já não tanto para norte nem para sul, devido ao preço do gasóleo e das portagens. No resto do ano, procuram alternativas: «Fazemos procissões, mercados, supermercados… ou então vendo fruta, meias, o que estiver a dar na altura». Passar o inverno é a parte mais difícil, «mas se o governo e as câmaras nos dessem mais opções de trabalho de inverno, por exemplo, se nos arranjassem pontos estratégicos mesmo a pagar uma mensalidade era mais fácil. Nós entramos em Espanha e praticamente em todos os cantos há uma caravana, uma churraria. Aqui nós não conseguimos trabalhos de inverno, porque as câmaras não nos dão pontos. É o que nos falta, basicamente», diz Júlia. Mas numa vida de altos e baixos faz parte arriscar: «Às vezes vejo uma passagem onde as pessoas vão passear ao fim de semana e meto lá a roulotte. Sujeito-me a uma multa, e já fui multada, mas a gente arrisca. Temos filhos para criar», diz.
Júlia já procurou a estabilidade. Já pensou em ser cabeleireira. Também está inscrita no centro de emprego, mas um curriculo onde a única experiência é a de vendedora de farturas não tem ajudado. E o facto de só estar disponível no inverno também não. Mas «também não me estou a ver a fazer outra coisa», diz sorrindo.
E eis que surge a incontornável pergunta: E a crise tem afetado o negócio? «Muito, muito. Está uma diferença de 60 a 70%. No ano passado, notou-se pouco, mas neste ano a diferença é mesmo muito grande». E compensa mesmo assim? «Olhe, logo que eu safe a despesa, coma e beba e leva alguma coisinha para o gasóleo e para começar a próxima, está a feira ganha», remata Júlia.
A feirante destaca as relações fortes existentes entre a comunidade de feirantes e a liberdade de poder dispender do seu tempo como os pontos fortes de se ser feirante. Mau é mesmo não ter trabalho no inverno. Mas esta é a vida que sempre conheceu. Júlia vem de uma família com oito irmãos, todos eles feirantes. Diz-se feliz com a vida que tem: «Tenho quatro filhos maravilhosos, que são meus amigos. Não tenho ambição… vou vivendo». É tempo de desmontar a roulotte e seguir viagem…