Alfabetização com o coração: conheça o projeto de educação de adultos Letras Prá Vida
Cerca de 500 mil portugueses não sabem ler nem escrever, valor que coloca Portugal no topo da tabela dos países europeus com maior taxa de analfabetismo. A propósito do Dia Internacional da Educação, assinalado a 24 de janeiro, Dina Soeiro, coordenadora do projeto Letras Prá Vida, fala sobre o papel da educação mesmo em idade avançada.
Quando se entra nas salas de aulas do Letras Prá Vida, o ambiente é o mesmo de qualquer outra escola, a única diferença é que aqui estudam alunos entre os 20 e os 95 anos de idade. Aldina Augusta é uma das alunas que faz parte das oficinas de alfabetização para adultos do projeto Letras Prá Vida, que nasceu em 2015, fruto de uma parceria entre a Escola Superior de Educação de Coimbra e o Município de Condeixa. Na aula escreve e lê a frase que a apresenta: «Sou Aldina Augusta Rodrigues Antunes, nasci em Sabouga, freguesia das Lavegadas, concelho de Vila Nova de Poiares, distrito de Coimbra».
Promover a compreensão do mundo através da literacia é o lema do projeto Letras Prá Vida, coordenado pela professora Dina Soeiro, da Escola Superior de Educação de Coimbra. «Este é um projeto de intervenção comunitária, que desenvolve oficinas de alfabetização e alfabetização digital com pessoas adultas, em Condeixa, Vila Nova de Poiares, Coimbra, Almalaguês e Penacova».
É aqui que funcionam todas as semanas as oficinas de alfabetização de adultos, que recuperam a oportunidade de aprender a ler e a escrever, como Rosa Sousa: «A minha mãe era da classe pobre e teve nove filhos, o meu pai trabalhava nas terras e de inverno não ganhava nada. Havia muita fome e muita miséria e nesse tempo não era obrigatório frequentar a escola, por isso fui guardar cabras». A escola também não fez parte do caminho de Maria Altina: «No meu tempo não havia escola para ninguém, só trabalho. Portanto, decidi vir agora aprender mais e conviver, para não estar sozinha em casa», explica.
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Em todas as sessões do Letras Prá Vida realizam-se atividades de leitura, em que o ponto de partida é a valorização de experiências e histórias de vida de quem ali está. Maria Aurora Aldeia recorda a infância difícil: «Comecei a trabalhar quando era muito pequena, éramos muito pobres e o meu pai morreu quando eu ainda não tinha cinco anos. Éramos quatro filhos, passado meio ano a minha mãe adoeceu e ficamos os quatro sozinhos, sem dinheiro para nada». Agora celebra a bonança, «penso na minha idade e no que passei e agradeço muito a oportunidade de estar aqui».
Ao entrar no Letras Prá Vida, as atividades desenvolvidas são bastante diversas, desde a utilização do método Paulo Freire, que através de sílabas gera palavras, depois frases e depois textos, à utilização da música e da poesia. «Utilizamos muito o fado de Coimbra e as músicas tradicionais, porque os nossos participantes gostam, através delas estudamos as letras e também cantamos», explica a coordenadora.
Os primeiros passos são aprender a escrever e ler os seus nomes e os dos familiares, depois dão os primeiros passos na escrita das suas histórias de vida. Nas leituras, o que ao início eram apenas palavras ou frases simples, agora são textos de Fernando Namora, Miguel Torga e Virgílio Ferreira. Para além de um lugar de aprendizagem, este é também um lugar onde se estimula a autoestima, onde se trabalha o carinho e se partilham sentimentos e vivencias. Para muitos é o escape de uma vida solitária.
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Mas este projeto não acontece só dentro de quatro paredes. «Promover a literacia é também promover sonhos, levamo-los à biblioteca, à rádio, ao museu e também à praia, neste último caso por uma razão muito simples, alguns deles nunca tinham visto o mar», diz Dina Soeiro.
E é assim feito de sonhos e muito trabalho que, ao fim de quatro anos, um projeto que nasceu pequeno conta hoje com 180 participantes e 50 voluntários com diferentes especializações, desde a Educação de Adultos, à Animação Socioeducativa, à Gerontologia Social e à Psicologia. As oficinas estão abertas a todos os que quiserem participar, e se o interesse for acompanhar estes alunos o projeto oferece o projeto também formação em alfabetização de adultos, destinada a todos os estudantes e voluntários que se interessem pela temática.
O prémio de melhor projeto europeu de educação de adultos, atribuido em 2017 pela European Association for the Education of Adults, garantiu ao Letras Prá Vida o reconhecimento público e internacional, e, se dúvidas houvesse sobre o seu êxito, a melhor prova é a felicidade de quem chega para aprender. «Sinto-me muito bem aqui, quando venho para aqui o meu coração até alegra», confessa Fernanda Tenente, uma das participantes do projeto. Veja algumas imagens na galeria no início do artigo.