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A ética do marketing na saúde

A ética sempre foi importante para as “boas” organizações, mas é ainda mais importante quando as sociedades atravessam uma pandemia. O momento que vivemos é daqueles em que as marcas, sobretudo as de saúde, têm de ter muito cuidado com a forma como se relacionam com o seu consumidor.

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Antes de qualquer reflexão sobre o tema de hoje, é importante lembrar que o acesso a cuidados de saúde é um direito universal de todos os cidadãos. Cuidar da nossa saúde deve ser, sempre, uma prioridade. Dê-se tempo para tratar de si.

 

Em março de 2020 assistimos a uma corrida desenfreada do consumidor a comprar máscaras e álcool gel (pensavam que ia falar do papel higiénico?). Creio que apenas uma minoria teria em casa estes dois bens que se tornaram, de um dia para o outro, tão preciosos. Disponibilizámo-nos, nessa altura, a pagar pequenas fortunas por uma caixa com 100 máscaras e um frasquinho de 200ml de álcool gel porque sentíamos que disso dependia a nossa sobrevivência.

 

Estamos em novo confinamento e não vemos montras repletas de caixas de máscaras e o Youtube com n vídeos sobre como fazer a nossa própria máscara em casa. A verdade é que, ao fim de quase 11 meses de pandemia, as máscaras e o álcool gel já entraram no nosso cabaz habitual de compras e estão em stock suficiente nas nossas casas para que possamos fazer as nossas saídas em segurança.

 

No início desta pandemia dei por mim a pensar sobre a legitimidade do marketing na saúde. Até onde é ético fazer apelos de compra quando o que está em causa é a nossa saúde, a nossa sobrevivência? Desde sempre que laboratórios médicos e clínicas/ hospitais privados fizeram publicidade sobre os seus produtos e serviços – muito legislados, é verdade – mas quanto mais informados estamos sobre as doenças que nos rodeiam, mais atentos ficamos a estas questões.

 

Vemos lá fora, nos Estados Unidos sobretudo, clínicas oncológicas anunciando tratamentos milagrosos quando na verdade sabemos que no combate ao cancro (tal como no combate a esta pandemia) ainda há tanta incerteza e tanto para estudar e saber. É legítimo anunciar tratamentos e curas (ou seja, dar esperança) sem certezas de que é assim mesmo? Claro que não! Sabemos que o doente, e as suas famílias, estarão dispostos a ir até ao fim do Mundo para procurar uma cura. Devemos ser responsáveis, transparentes, éticos!

 

A ética sempre foi importante para as “boas” organizações, mas é ainda mais importante quando as sociedades atravessam uma pandemia. O momento que vivemos é daqueles em que as marcas, sobretudo as de saúde, têm de ter muito cuidado com a forma como se relacionam com o seu consumidor. Os profissionais de marketing têm de perceber como podem cruzar a linha entre as necessidades do negócio (lucro) e as necessidades dos seus clientes (saúde, segurança, conforto, sustento, etc.) com a sensibilidade adequada ao momento que atravessamos. Adotar uma abordagem ética trará, a longo prazo, uma maior lealdade nos consumidores.

 

Defendo o direito à informação e a importância do papel das marcas de saúde neste ponto: ajudar na literacia em saúde da população (informar que algo existe e que está disponível é bom, mas é mandatório que se dê ferramentas e informação para que cada indivíduo possa saber se aquela possibilidade que existe se adequa a ele naquele momento). Não é de todo aceitável usar da fragilidade do ser humano em momentos de vulnerabilidade (porque está doente, porque está ansioso, porque está com medo) em benefício próprio.

É considerada “boa prática” a comunicação informativa que possa ajudar a remover o estigma de certas doenças ou que eduque os pacientes sobre as opções de que dispõem (rastreio do cancro da mama e do cólon, rastreio oftalmológico, entre outras medidas preventivas) mas é considerada “má prática” toda a comunicação/publicidade avulsa que se aproveite emocionalmente da condição do consumidor (em plena era COVID o apelo à testagem sem uma indicação médica: a confusão causada pelos testes falsos positivos do presidente Marcelo, e de alguns jogadores de futebol, também afectaram muitos cidadãos anónimos que foram fazer testes sem um motivo válido).

 

Acredito que é possível fazer marketing de saúde cumprindo com todos os requisitos éticos considerados aceitáveis pela nossa sociedade. No desenho de uma campanha na área da saúde é crucial ter em conta alguns aspetos como:

– A emoção que esta passa, para colaboradores e consumidores

– O ser humano está sempre em primeiro lugar (humanização)

– A indução de vendas, publicidade ou criação de falsas expectativas são proibidas, para não haver risco de confundir o consumidor

– Deve manter-se sempre o anonimato dos pacientes (no caso de se usarem case studies ou testemunhos)

– Fazer afirmações e promessas realistas

– Não esquecer nunca o princípio “primum num nocere”, que não é mais que, numa tradução não completamente literal “Antes de tudo, não cause dano, não prejudique o paciente” (em caso de dúvida mais vale ficar calado)

– Educar os consumidores

– Garantir que a comunicação não é enganosa ou dúbia (utilizar sempre fontes credíveis de informação e usar referências aos estudos referidos)

– Evitar sensacionalismos e excessos (menos pode ser mais!)

– Evitar a autopromoção

– Promover a saúde pública.

 

A saúde é um tema sensível pelo que o desenho de campanhas de marketing nesta área será sempre desafiante. Por um lado, porque estará sujeito ao escrutínio da sociedade, por outro lado porque tem um enorme potencial para causar danos se for mal-executado. Cada um de nós deve ter informação suficiente para uma tomada de decisão devidamente informada. Devemos estar conscientes que o impacto de uma informação incorreta não é inócuo e que a desinformação ou iliteracia são causadores de mais consumo de recursos de saúde, mais procura de cuidados e, potencialmente, geradores de maior mortalidade.

 

Cada vez mais estaremos (os profissionais de marketing) perante desafios mais difíceis – surgirão doenças novas, pandemias inesperadas, a velocidade a que passa a informação (e sobretudo a contrainformação e o negacionismo) é cada vez maior – o que faz com que os profissionais de marketing tenham de ter um pensamento “fora da caixa” sem nunca se esquecerem dos princípios éticos na forma de divulgar e de comunicar com os consumidores. Não é antiético usar ferramentas de marketing para promoção da saúde (seja na promoção de uma clínica, de um medicamento, ou de um dispositivo médico) e para diferenciar uma organização de outra concorrente. O que não se pode nem deve nunca é “comercializar a saúde”.

 

As marcas de saúde devem então apostar em, se for o caso, tornar as suas estruturas físicas em espaços acolhedores e humanizados, comunicar de forma eficaz e credível, educando equipas e utentes, e alinhar toda a estrutura a favor dos consumidores.

 

No marketing como na vida, devemos agir de acordo com os valores morais básicos que nos ensinam os nossos pais (fazer bem ao outro, ser honesto e verdadeiro, agir com justiça, ter respeito pela opinião do outro), com integridade e transparência. Mantenham-se saudáveis.

 

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